" Não durmo, jazo, cadáver acordado, sentindo,
E o meu sentimento é um pensamento vazio.
Passam por mim, transtornadas, coisas que me sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo;
Passam por mim, transtornadas, coisas que não em sucederam
- Todas aquelas de que me arrependo e me culpo"
Insônia - Álvaro de Campos
Enquanto o relógio segue capitaneando os minutos, o tempo te
arrasta pelo quarto, fazendo de ti esse pobre coitado, prisioneiro dos mil
pensamentos. Ideias sem nexo, em desordem, com o cheiro de ontem, se revelam,
se rebelam, donas de ti. Impulsos elétricos, vozes, zumbidos te alteram os
sentidos. E teus olhos nunca se fecham. O travesseiro de pontas agudas te fere
e rasga embora o teu sossego. O ar que comprime teu metro quadrado encerra no
teu corpo o peso das vontades desconexas. Imagens, cada vez mais abstratas, agitadas,
abusam covardemente da tua condição.
Tem uma aranha que te observa do alto do
teto. É o teu voyeurismo do avesso. Agora, o rato é você.
A internet, a TV e até
teus livros debocham desse teu estado. Você, (des) governado, que já
foi senhor, agora não passa de escravo. Enquanto se vê mergulhado no vazio, teu
sono, cada vez mais, escorre por um fio. Lá embaixo, nas ruas desertas, tem
mais vida que aí. A cidade, em silêncio, tira gozo até do asfalto e tem mais
vida que nesse teu quarto. Enquanto agonizas, os ponteiros irônicos disparam a
proximidade do sol. Tuas paredes encolhem, te engolem e mais um dia já chegou.
A aranha já dorme tranquila enquanto sente pena de ti.
Uns goles, uns tragos,
hipnóticos, qualquer trégua. Quem sabe uma chance, um meio, qualquer coisa pra
te absolver.
Aí
perto tem guardada uma flor. Se te resta um pouco de força e coragem,
de arrasta e usa. Pode ser por infusão, compressa ou inalação. Vai te
devolver melatonina,
trazer o sono e encher de endorfina. Mas tem um porém, uma
contraindicação: quando
te livrar da insônia, levará também a tua solidão ... e isso, eu já não
sei se
você vai querer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário