quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Na estação com Rimbaud




Tudo fiz para que se desvanecesse
em meu espírito a esperança humana.
Como um animal feroz,
investi cegamente contra a alegria para estrangulá-la.”
Uma estação no inferno - Artur Rimbaud




Ela sentia que já era hora de morrer.


Tinha a carne cansada,
todo o verbo derramado,
sem nada mais de si
que ainda pudesse aproveitar,
nem um sopro de ar.
Já gastara tudo que tinha.
Já dera de si qualquer coisa
que o mundo pudesse usar, 
ou jogar fora, ou sei lá.



Nem saliva não havia
que desfizesse os nós da garganta seca,
a umedecer a língua áspera e solitária.
Nem suor que limpasse os poros
das toxinas dessa noite,
e que tirasse dela todo o dejeto mental
intruso e indesejado.
Nem uma gota limpa de sangue
a conduzir o ar puro
que invadia sólido suas narinas.
Nem uma lágrima sequer
que lhe descolasse as opacas retinas
e lavasse da alma suas culpas e medos.



Já podia lamber o chão
Comer o pão cuspido e amassado
Sentir a carne queimar
E o peito dilacerado
Deixaria pesar os olhos
Até toda a luz se anular.


Agora já podia morrer
e desfalecer nesse céu escuro,
flutuar bem devagar,
e se deixar deslizar,
como um espírito liberto 
até essa dor passar...



É que tem essa dor.
Ela quase esqueceu de te dizer
que tem essa dor aí.
Onde não restava mais nada,
na verdade tem essa dor.
Uma dor que se fingiu de sopro,
entrou involuntária e intrometida,
secou a garganta,
forjou a língua em pedra,
entupiu-lhe os poros,
poluiu o sangue e o ar,
secou toda lágrima.
Essa dor bem aí.
Mas ela passa, não passa?
Diz pra ela que com a morte
a dor passa!!!
Diz!!!


Porque se essa dor
não for acabar assim,
ainda que sem pressa
e bem devagar,
então para ela
nem o chão
nem o pão
nem os nós
nem as pedras
nem o sangue
ou a seca
e nem mesmo a morte servirá...






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