terça-feira, 9 de setembro de 2014

Um plano para chorar





A tempestade passou. Veio de longe, com previsões de tornado até o amanhecer. Seu estrago foi grande. E você fez planos. E eu bem sei que você não gosta de planos. Mas vinha uma tempestade. E vinha fazer estragos.

E quando ela chegou e você pôde chorar, não impediu esse rio de sal a escorrer pelo pescoço, a encharcar a pele levando com as águas as dores da tua alma. 

Eis teu plano para chorar.
Não fechou a casa, nem escavou buracos. Não procurou abrigos, não se guardou (e eu bem sei que você se esconde). Quando o rio insistiu em correr seu curso natural, aceitou seus desígnios. Deixou que o vento gélido lhe cortasse o rosto e lhe cobrisse de soluços e suspiros e empurrasse toda a água a levantar telhados, arrastar casas e vidas e gente. 

Enquanto a tempestade desabou e a correnteza lhe escorreu na pele, pela face, pescoço, inundando a clavícula, por entre os seios até o umbigo, lhe carregando para junto dela, pensou em tudo que era levado, destruído e lavado. Não evitou (e eu bem sei que você se esquiva). Aceitou, em quietude, os seus propósitos. 

E depois, só depois que você pôde chorar, e que o céu azul se abriu e o sol voltou e esse rio secou, pôs-se a caminhar por entre telhas, cacos, entulhos e lamas, a procura de abrigo e de um amigo. A buscar nos escombros os restos da tua alma perdida, para então recomeçar. Mas só depois que você pôde chorar (e eu bem sei que você nunca chora).



Um comentário:

  1. Este é um texto extraordinário. O tema recorrente toma uma narrativa diferente e o contraste entre o que acontece e o que não pode acontecer ressalta o dramático do personagem.

    ResponderExcluir